1.2.13

Confissões de um louco


Sabe, você não assume logo de cara ser um quebrado. Não. Isso doeria demais, porque você vê as pessoas todas por aí, andando com suas duas pernas, todos os dentes na boca, os pensamentos em ordem, sabendo que lugar ocupam no mundo, vivendo naturalmente no senso comum. Esse é o lugar delas, e não há nada errado nisso, obviamente.
Mas você não é assim. Sim, você sabe, mas não sabe como mudar. Você é cercado de pessoas que também sabem, mas não querem te dizer como nem o porquê, porque também se sentem confusas e amedrontadas com você. Mas elas gostam de você. E você gosta delas. Por isso, tenta se adaptar no pensamento de que é claro que, quando um vai em uma direção e mais de 6 bilhões em outra, algo está errado com o avulso, não com a massa.
Você engole o medo e se infiltra. Tenta se mesclar na multidão, brilhando loucamente como uma caneta marca-página num estojo de esferográficas. Seu jeito é diferente, sua maneira de ser feliz não se encaixa, porque você não é bom como eles, simplesmente isso. Você nunca escreverá um poema ou rabiscará um papel de pão. Você não serve para fazer contas no bloco de notas, para rabiscar garatujas enquanto se fala no telefone. Você é muito desengonçado para isso. E a analogia para por aí; eu não vou tentar ser otimista, dizendo algo do tipo: "só você pode marcar páginas de livros", afinal canetas bic também fazem isso. Esse texto não é sobre ser otimista. É sobre coisas quebradas.
Por isso, na verdade, você continua se fazendo de normal, fingindo não sentir o que sente, negando o remédio que te oferecem por te fazer a boca seca e perder mais um pouco da lucidez. Você diz que não precisa, que está tudo bem, que seu esforço é o suficiente, e que você vai fechar os olhos (1,2,3...) e tudo vai passar, já que você mereceu, porque você foi bonzinho, orou direitinho para Jesus, porque você deu seu melhor. Você faria tudo para se prometer remendar, mas o que não quis assumir, o que sempre esteve na sua cara, escrito nos sinais e na forma como as pessoas te olham, o que está óbvio entre suas relações e nas entrelinhas de cada conselho de quem te ama, é indiscutível: você é um quebrado.
E o que não assume é que estará quebrado pra sempre.
Eu acho que os médicos chamam isso de loucura. Eu nasci com ela e nunca a admiti pelo pavor que essa verdade me causava. O pior dos terrores. Mas agora a abraço até com um certo carinho. Não orgulho. Não como algo que a usaria num pingente para exibir na rua. Mas como algo que eu sou. Eu amo minha loucura como amo minha mão ou meu pé, que são parte de mim. Não são admiráveis, nem sequer charmosos, mas permitem que eu funcione, e a menos que alguém me mate: um homem, Deus, o tempo ou o acaso, será o que sempre fui e nunca deixarei de ser. Pernas, pés, mãos, barriga e loucura.
Sou um quebrado, desfilando banguela e descabelado pelas esquinas do universo com meu passo torto, gritando alto, chamando atenção de quem dorme o sono dos justos e o repouso dos perversos, fazendo vigílias em tempo de paz, acompanhado de um cão velho chamado remorso.
Acredito que um dia, no meio dessas caminhadas claudicantes, vou encontrar um repouso no caminho. Se for o fim, será, se for o meio, descansarei. E então olharei para minha companhia, sentada comigo no banco de praça, meio-fio, grama alta, clarão de floresta, pátio de castelo, sofá de casa, hall de mansão, assoalho de masmorra, piso de banheiro, e direi que fui o que sempre fui.
Perdi meu anseio por redenção. Agora só quero ser sublimado.

Sorrow drips into your heart through a pinhole
Just like a faucet that leaks and there is comfort in the sound
But while you debate half-empty or half-full
It slowly rises
Your love is gonna drown