2.1.11

Um conto

Um rei triste olhava o horizonte azul com olhos de soluço.
Mandara fazer o alto trono na torre de vigia, e passava os dias lá, do alvorecer ao crepúsculo, pois o que mais amava na vida estava doente, expirando aos poucos, em uma cama febril.
Enchera as praças do reino de cartazes suplicantes pela cura e com promessas gordas de recompensas a quem corajosamente encarasse chagas e febres com respostas verdadeiras e definitivas de melhoras. Trapaceadores levaram seus tesouros e sua esperança, já saqueada.
Aos poucos, o coração real tornou-se mais amargo.
Criara perguntas rígidas e padrões de consultas. Desencorajou indicações de médicos e magos, e a visita de portadores de resposta se tornaram cada vez mais raras, até cessarem.
O ódio tornou-se aliado de seu coração abalado e negro, e não era mais a desconfiança que o motivava, mas o desejo de ferir a todos. Se o que mais queria continuasse sendo negado, seu coração egoísta decretou que ninguém mais poderia ser feliz.
Agora esperava o horizonte desbotando nas ultimas horas de seu mundo, pois seu amor estava morrendo, e com ele, tudo também haveria de morrer. Colocara engradados de pólvora e derramara barricas de óleo em diferentes pontos da cidade, e ordenara guardas fiéis que sabia que obedeceriam a ordem (mesmo em custa da própria vida) de explodir casas, currais e lojas, e com eles, pessoas e animais; assim que o sol se derramasse no horizonte.
Mas seus velhos olhos nublados de desesperança o tapearam.
Um cavaleiro veio com respostas. Ele mesmo enfrentou portões fechados e guardas hostis enquanto o rei dormia. Descobriu a conspiração de sabotagem real, e acabou se sacrificando em lugar de muitos. Com o corpo alvejado de flechas, caiu sobre o rio da cidade depois de desarmar os guardas e mostrar a todos a extensão da loucura que os acometera.
O rei só acordara em um novo alvorecer, que achou que não haveria. Destituído de poder, ouviu um som fúnebre cruzar a cidade: Um silêncio iluminado, só cortado pelo barulho de pés chapinhando as pedras de calçamento e violinos lentos. Vieram busca-lo para encher uma cela vazia na torre que ele mesmo construíra. E o silêncio continuava, sinistramente transpirando vida, carregando o corpo do verdadeiro herói, cujo segredo de cura estaria para sempre escondido no fundo das águas, e o corpo do amor doente, que morrera aquela tarde, enquanto o rei dormia.
A antiga realeza ria loucamente em sua cela fria, mas os corações poderiam descansar na esperança. Tudo havia terminado.

Um comentário:

  1. Anônimo17:08

    Íncrivel a intimidade que tem com as palavras e poder de torná-las em um texto encantadoramente simples.

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