29.11.10

Não é o alívio

Pedes-me amor; é tudo o que ofereci.
Pedes-me ombro, consolo e disposição; é tudo o que entreguei.
Mas se peço a você que deixe esses fardos pesados à soleira da porta, que ao me encontrar venha com o coração aberto e grato, me nega com um muxoxo de ira.
Você diz que quer minha compreensão, mas vejo que o que você ama é o peso, não o alívio.
Então, se por ser mordida, a mão estendida se retrair, não culpe o medo de quem te afaga.

22.11.10

Sobre trilhos e rodas - Parte 1

Eu não tenho carro. Até sei dirigir, coisa que aprendi com observação, não com prática, porque sou muito sistemático para aceitar infringir as regras de transito e brincar de burguês aqui pelas ruas de Guarulhos. E o fato de eu não ter carro (nem carteira de motorista) leva a uma consequencia inevitável: Tenho de usar transporte público.
E só quem usa o sistema urbano de transporte para cruzar os quatro diferentes pontos cardiais da maior metrópole sulamericana sabe o que é. Se encontra gente de todo tipo. Gente que, inclusive, nem parece gente.
Já ví uma senhora obesa ser expulsa do ônibus sob protestos do cobrador, diante de uma delegacia de polícia, por estar fumando maconha, esparramada no banco traseiro. Já recebi ameças de morte porque esbarrei em um rapaz depois de uma freada brusca de metrô. Já caí no vão do trem, na estação da Luz, por estar desatento ao fato de que quem está na porta será, necessariamente, empurrado de maneira abrupta para fora do vagão. Meus pés vacilaram, e eu fiquei entalado graças a minha robusta caixa toráxica.
Não só de experiências consiste minha observação, mas também de detalhes singelos, de olhares, toques e sorrisos. Ví paqueras frustradas. Ví gestos de cumplicidade silenciosa. Ví arrogancia, ao se irritar por dividir o mesmo espaço com tanta gente feia e suja. Nesses tipos de lugares, vemos o melhor e o pior do ser humano.
O que me faz acreditar que, se Jesus tivesse nascido em torno da década de 80, provavelmente estaria nesse exato momento pegando a linha vermelha, sentido Corinthians-Itaquera.
Mas não estou falando de divindades. Essa nunca foi a intenção desse blog. Quero falar do oposto, de nós, a humanidade: O que nos diferencia dos seres espirituais não é a capacidade de se santificar ou realizar atos mágicos (Pergunte ao David Copperfield). A questão é que não somos estáveis. Pelo menos partindo do nosso próprio ponto de vista instável e imprevisível. Em contrapartida, Deus é bom, e essa criatura rastejante que possui mais nomes que uma ligação química, é má. Não há mudança nesse comportamento, nem nunca haverá.
O problema é que somos fanáticos e reacionários. Até o mais libertino dos homens projeta Deus e o diabo em seus próximos, ensinando tal e qual é a verdade entre o bem e o mal, conforme sua própria opinião (instável e imprevisível). Até aquele que prega que o bem e o mal não existe, ou que ambos são forças energéticas que devem ser balanceadas através de alguma técnica espiritualística maluca se encaixa nessa descrição.
E todos pegarão algum tipo de transporte público uma vez na vida.
O que dá o gancho para meu ponto inicial: O bem e o mal não nos cercam. Esses que estão em nossa volta são apenas pessoas.
Aquele senhor de idade que meteu o dedo no meu rosto hoje, me culpando por ser jovem, é um ótimo exemplo disso. Naquele instante eu era o diabo para ele. Representava todo o mal que uma sociedade que não respeita seus anciãos é capaz de produzir. E eu estava sendo acusado como vilão, pois as placas de sinalização dos ônibus não são nítidas o suficiente para idosos com vistas cansadas.
E ele, para mim, também era o diabo. Exigiu que eu saísse do meu lugar, que não era reservado para idosos, por pura implicancia, uma vez que haviam lugares vagos para ele se sentar confortavelmente. Eu era a vítima de um ser impuro e cheio de maldade.
Então foi embora antes de se sentar no lugar que acabei cedendo. Ele leu a placa perfeitamente, deu o sinal, e entrou reclamando com o motorista por ter parado alguns metros à frente do ponto "correto".
Temos confiança na exatidão de nossa justiça. Temos muitas respostas do que é o correto e o que não é. O que é o bom, e o que é o mal. Temos muitos argumentos. E os preconceitos não são nada mais do que certezas. Toda a maldade cometida por homens instáveis e imprevisíveis vieram de conclusões absolutas.
Em contrapartida, toda bondade manifesta por homens igualmente instáveis e imprevisíveis derivam de uma mesma pergunta:
"e se eu estiver errado?"
"e se isso puder ser mudado?"
"e se ela realmente for o amor da minha vida?"
"e se existir algo além disso?"
"e se eu deixar o leite condensar?".

18.11.10

Oceano

Sua vida é como um largo e vasto oceano.
É necessário ser leve, flutuar na superfície. E então, periodicamente, mergulhar fundo e buscar tesouros escondidos na profundidade do ser.
Não ajuda viver sondando o fundo, pois a pressão esmigalha seus ossos e arranca seu fôlego. De nada vale viver boiando sob o sol morno, enquanto a vida se espalha por todos os lados, alheia ao seu medo de encarar o escuro.
Então, se aprendermos a viver mergulhando e submergindo, periodicamente buscando fôlego e encontrando essas pequenas alegrias em ser leve e real, tudo terá sentido.
Vejo peixes engraçados, crustáceos articulados se movendo com graça, moluscos, plantas e fungos aquáticos. Vejo formações de corais, enguias e criaturas sombrias das grutas. Todas fazem perfeitas analogias de tudo que sinto, mas não há tempo para argumentos.
Debaixo do mar, não há espaço para pessoas pesadas.

8.11.10

E no último episódio da 1ª temporada de The Big Bang Theory...

Pouca gente tem esse hábito, mas eu sempre pauso quando encontro anotações do produtor nos finais dos episódios que assisto aqui em meu PC.
Muitas vezes são desabafos e críticas, outras vezes, são comentários engraçados, mas dessa vez, o que encontrei, foi isso:


Chuck Lorre produções #212

Acredito que as vozes do medo, ambas provenientes do exterior e do interior, só podem ser neutralizadas confiando na voz que vem do coração. Fique quieto e a ouça. Se ela fala de amor e compaixão pelos outros, pelo mundo em sí, pode até ser a voz de Deus - ou algo razoavelmente semelhante. Se, no entanto, ela rosna com medo do desconhecido, medo de perder o que você tem ou de não conseguir o que quer, então deve ser a voz de Rupert Murdoch - ou algo razoavelmente semelhante.

Meu mundo é escarlate

Eu vejo, em semblantes sobrecarregados de traumas, um medo.
Não é um medo racional, daqueles que somos movidos a abraçar por um instinto maior de sobrevivência. Não se trata de pavor de algo que simboliza a morte.
Não são por coisas ruins que essas pessoas ficam amedrontadas. Elas temem o amor.
E isso é tão sério que eu mesmo, por rotineiramente tocar no assunto, sou taxado de piegas, até de repetitivo. As pessoas não querem mais ouvir essa palavra.
AMOR.
Ligue a TV, e você verá os temas: Reprisa-se romances viscerais, exibe-se libidos inflamadas, escancara-se violências emocionais, mas do amor não se trata. Não dá ibope. É velho, duro e intolerante.
O amor assusta.
E os argumentos de quem assume o partido do "desamor e desapego" são, em todas as situações, falhos. Parecem bêbados gagos balbuciando explicações para personagens invisíveis de sua embriaguez. Não convencem ninguém, mas por espelhar um medo geral, as pessoas abraçam os argumentos. Eles dizem: "amor se tornou uma palavra muito desgastada. É necessário tomar cuidado em dizer. São poucas as pessoas que amamos de verdade."
Olhe para aquele morador de rua. Você não o ama, é verdade. Porque se o amasse, faria algo por ele. O mesmo serve para aquele seu amigo que está se acabando no vício, e você fica calado. Porque o respeita? Não, porque não quer a responsabilidade de denunciar o problema e talvez, por conta disso, perder os benefícios que ele lhe oferece com sua amizade. Resumindo, você realmente não o ama.
O amor gera compromisso. Quando dito, cria um vínculo de quem oferece para quem o recebe. O amor é uma promessa, a maior delas, que diz: "independente do que você fizer, eu estarei ao seu lado".
Não é de se admirar que assuste.
E também não é de se admirar, numa sociedade em que se tem medo de amar, que filhos planejem a morte de pais, que crianças sejam violentadas até a morte, que animais sejam extintos pelo puro prazer da caça, que poderosos controlem camadas sociais supostamente frágeis para seu próprio benefício. Não é de se admirar a fome, as epidemias, a miséria.
E talvez seja hora de eu parar por aqui, porque os críticos, fãs do incorreto, que vêem o mundo num amálgama de cores preto-acizentado-arrocheado, podem em breve me taxar de infantil ou maluco. Dirão que vejo um mundo cor de rosa por sugerir essas coisas.
Mas poupo-lhes o esforço: Meu mundo perfeito não é rosa. É vermelho escarlate. É da cor do fogo, do sangue, da paixão. O meu mundo perfeito é intenso como é intenso o amor de Deus por você que me lê. No meu mundo perfeito não há espaço para termos genéricos, para promessas superficiais, para manipulações, para níveis sociais. Meu mundo perfeito é lavado pelo sangue de alguém igualmente perfeito que ordenou em toda sua autoridade: "Ame seu próximo como a você mesmo".