28.8.11

14:36

Amor e suas mil caras. Uma só é pura.
Tem horas que você ama tanto, que tem vontade de proteger.
Tem horas que você ama tanto, que tem vontade de destruir.
Mas quando não ama, não importa o que faça,
nada importa.

19.8.11

O controlador do tempo

Teve tempo de comprar um relógio.
Comprou para ela, mas não de presente. Usava no pulso, checando o tempo que ela levaria para chegar.
Porque o tempo era engraçado. Parecia trapacear, se estendendo quando buscava seu fim, se encurtando quando tentava fazê-lo mais longo.
E era terrível viver assim, pois um homem deve controlar seu tempo.
Ela chegou atrasada, como sempre. Mas não fora de tempo.
O tempo, esse bandido, se multiplicou sob a sombra do conforto da presença dela. E o rapaz, de carona, se esqueceu de dar valor a todos os segundos.
Então ela foi embora às três da manhã daquele domingo.
Não sei quanto tempo depois, se casou com outra, pois o tempo tudo cura. E nunca era tarde para essas coisas.
Com o tempo, teve filhos.
O tempo os fez crescer.
Durante esse tempo, trabalhou.
Se tornou um homem de pouco tempo.
E o tempo se esticou novamente, tecendo um lar, endurecendo suas ideias e deixando seus sonhos para mais tarde.
Afinal, depois teria tempo para cuidar das coisas importantes. As urgentes são para ontem, e ele não tinha tempo.
Então, naquela terça-feira chuvosa, às quatro e vinte e cinco da tarde, saiu para comprar pães. Perdeu o tempo na hora de atravessar a rua, e o caminhoneiro, apressado, estava sem tempo para parar.
Teve tempo de pensar em toda sua vida, como dizem os filmes do tempo do bom cinema: pensou em cada ano, e em progressão, lembrou-se dos momentos. Nos momentos, o tempo se esticou pela última vez: Viu cada toque. Cada beijo. Cada não. Cada milésimo de segundo projetado na tela de suas pupilas, o instante pausado de sua respiração.
Enquanto reconheceu seu relógio esmagado sob a roda, entendeu, sem mais tempo para se arrepender:
Ele nunca teve controle, afinal, tempo não é dinheiro.

8.8.11

Confissões

Confesso, querida, que me calei.
Esperei silenciar o que gritava, e minha alma secou no peito.
E por isso, repito, que confesso:

Confesso, acordo pensando em seu sorriso sincero.
Confiro se não chegou uma mensagem nova em meu celular.
Encontro as antigas, e esqueço de escovar os dentes.

Confesso, vejo fotos suas com olhar de joalheiro.
Ando decorando semblantes, traços e expressões.
Coisas lapidadas que cintilam e me fazem pensar raridade.

Confesso, tudo teu parece vir em pares.
E seu abraço, o melhor do mundo, tem um gosto próprio:
Uma música que acompanha, uma ideia que completa.

Confesso, de tão grande, esse afeto me assusta.
Como bicho acoado, contemplo assustado de dentro da toca
esse som estrondoso, esse convite singelo, isso que não entendo.

Mas confesso, mesmo temendo, destrancarei as velhas portas.
Abrirei janelas dos quartos vazios.
Voltarei a regar jardins abandonados.

Pois confesso: o que aprendi a fazer sozinho, querida,
como bicho assustado, joalheiro atarefado ou sonhando desperto,
só parece ter graça quando a tua graça está aqui por perto.

7.8.11

Um Deus que dança.

Eu acredito num Deus que dança.
Acredito que Ele balança ao som da melodia que criou. Que, trocando os pés, se equilibre sobre justiça e piedade.
Acredito num Deus que gira sobre o próprio eixo e então desloque lenta e firmemente para baixo de seus braços. Acredito que lance alto, num susto, e pegue em segurança antes de tocar o chão.
Acredito que Deus sorria enquanto a batida forte acelera, e se perguntam se serão capazes de continuar dançando.
Mas é Ele que conduz.
Acredito que Ele sempre sabe qual será o próximo passo, e que nunca perde o raciocínio de sua coreografia.
Acredito que Ele desliza sobre os joelhos no chão encerado dos pátios de marfim e ouro da eternidade, e que lance, abraçado, seu par sobre a terra batida de pó e cinzas diante de Seu gigantesco trono de Poder. Que troque as mãos, rindo, e sem perder a marcação, repete o passo quantas vezes quiser.
Acredito que ele conhece cada passo. Cada acorde. Cada parada. Ele conhece o ritmo, Ele conhece o ambiente, e mais do que tudo, Ele conhece quem conduz.
Ele toma pela mão quem escolhe nesse grande salão que Ele mesmo construiu, e nunca parou uma dança no meio.
E Ele é a estrela do dia.
Ele é a principal atração.
É dEle o show.
O maior dos Dançarinos.

1.8.11

A medida das coisas

Ele tossiu quatro vezes longe da minha vista. Resmungou alguma coisa por dois segundos, e voltou ao seu lugar na fila com três passos. Tinha um metro e oitenta e um cheiro ocre, não forte, de suor. Seus poucos cabelos estavam presos numa tiara velha e amarela. Segurava meio hotdog e perguntou se aquele último ônibus não saía as 00h35. Os olhos grandes, levemente úmidos e jovens, contrariavam a voz afeminada que dizia já ter vivido muitos anos e tido mais de algumas experiências desagradáveis. Questionou gerações como fazem os velhos, enquanto torcia os dez dedos grossos uns contra os outros, e por três vezes, de forma bem lúcida, disse que na vida não possuía pares ou coletivos: ele era só um.

Torres altas, fardos pesados, estradas longas e amores intensos.
Para todas as coisas damos medidas: o kilo, o metro, o volt, o minuto. Existe quantidade até daquilo que não se vê, mas se compara: a culpa, a liberdade, a certeza. O peso da espera.
Medimos para que saibamos separar o muito do pouco, o bom do ruim; para que entendamos o excesso e a miséria.
Mas como se medir uma vida? Quanto pesa o amor, mesmo quando não existe? Quanto fere a solidão? Qual é a velocidade da surpresa quando retorna de uma curva do inesperado? Qual unidade se usa para medir uma alma cansada? Quantos metros um conselho sábio pode te fazer andar?
Qual o tamanho de quem você ama?
A existência medida em altura, circunferência, peso ou densidade, sempre esconderá o ser real. E a ideia, por ser invisível e simples, não cai em nossas tabuadas escolares nem em nossa interpretação científica e tangível: Somos da mesma matéria do universo. Tudo é infinito.
Se vivêssemos como infinitos, sorriríamos só uma vez e sempre para a oportunidade que temos de não ser falta ou exagero, mas completos.