4.2.14

Alquimia

Aquele medo todo que esmaga o menino, ninguém consegue ver. O pequenino sofre, e se esvai de tristeza, e perde a cabeça tentando explicar o invisível amargor de sentir o que todo mundo diz ser ar.
Para ele, é fogo
Ele rola no chão, e todo mundo chama de louco o menino que grita de dor, e pede água, e pede refrigério que não vem.
E de tanto queimar, o fogo apaga.
E ao apagar, ele fumega no chão, pedindo perdão para todo mundo que ouviu gritar no desespero seco e cego, na angústia louca e ilógica, no sofrimento profundo e duro que não consegue explicar.
O menino se ergue, como se nunca houvesse caído.
E cada vez se ergue mais duro, couro queimado do fogo invisível e do chão áspero sem alívio. Lívido.
Um dia, menino, você aprende a queimar em silêncio, como todos eles. Não é questão de tempo, mas de talento: Transformar o fogo em ar. E respirar.

17.9.13

Vazamento de alma

Alguns dias a alma parece líquida dentro de meu espírito quebrado. Ela vaza, e eu me pego escorrendo por aí.
Se querem saber por onde passo, é só ver as paredes sujas de saudade, o chão alagado de desejos e minhas roupas manchadas de dores de todas as cores. Eu poderia tentar concerto, mas depois de muito esforço, descobri que não existe remédio para espírito de cristal trincado.
Por isso, passo meus dias fabricando sonhos. No final das horas perdidas, remendado e sorrindo a passos largos nesse aguaceiro das almas, sei que continuarei fazendo sujeira em meu caminho, mas nunca estarei totalmente vazio.
O fogo me fará inteiro e cristalino.

The Transfiguration by Sufjan Stevens on Grooveshark

7.9.13

Minhas caras

A máscara está proibida,
as más caras públicas estão
todas proibidas porque são
de uma gente bandida.

A cara do desgosto
que tanto ameaça nosso passeio,
nosso caminho do fio, o meio
dessa gente sem rosto.

Da alienação.

A hipocrisia tá ilegal
não pode mais prometer
(e não cumprir).
E se vê algo leve,
(enquanto quer rir)
fazer cara de mal.

Não pode cozinhar ser,
e quando põe na mesa,
a tal máscara reveza
e sendo se torna ter

Não pode tentar viver, não.
Não pode teatro, dor, fuga.
Não pode creme anti-ruga.
Não pode coração.

Masca rasa a angústia
de quem acha normal
sonhando um país igual
reclamar da dor do nunca,

marchando nu na frente
de capacete e farda,
cacetete e má vontade,
sorrindo, ensolarado e passando mal,
desmaiando no meio da avenida.
Gás, pimenta e incerteza,
debaixo do maior sol da vida
do velho carnaval.

17.8.13

O descanso dourado

De toda geografia de sua superfície
sem barrancos ou desníveis,
de toda planície e montanha,
montes de sonhos e suspiros,
de todos doces de teus sabores,
de todas amoras e amores,
há um pedaço onde eu morreria:
o gigantesco vale de teu ombro,
comendo o doce de teu cheiro,
junto à cascata de seus cachos,
à sombra de teu pescoço,
vendo o sol que te dá tempero,
se pondo em teu pelo, loiro.

E se lá repouso,
sonho que nado em tesouros,
num mundo feito de luz, amor e ouro.

Flowers in Your Hair by The Lumineers on Grooveshark

6.8.13

Ilhas de silêncio

Às vezes, quando tento dizer o que sinto, descubro que é tão indizível que chega a ser insentível. Então procuro palavras novas, que também só fazem sentido para mim, e percebo que o mar também é coração, e está cheio de ilhas de silêncio.