24.4.11

Deixar ir.


É necessário deixar ir. O rosto amigo, o tempo vivido, a paixão do momento. É necessário deixar ir o que te cativa, o grupo que participa. É necessário deixar o passado se tornar lembrança, e mesmo que se apegue no valor do que foi, não exigir que continue sendo.
É necessário o adeus.
E se Deus quiser, haverá retorno.
Quando se tornar presente, o rosto amigo se tornará irmão. O tempo vivido, felicidade real. A paixão do momento, amor para a vida toda. E é quando o tempo colabora com a intenção que a eternidade acontece. Se solidifica, tornando-se presente na lembrança, na verdade e na esperança.

12.4.11

O pequeno Atlas


Dissera a sí mesmo que não iria chorar, que isso era parte do processo, e que seria maduro o suficiente para suportar o peso. O peso do mundo.
Tinham escolhido o garoto para ser o responsável por manter o planeta, aquele gigantesco globo, pairando no espaço. Era robusto, de ombros largos, e duro o suficiente para sustenta-lo por séculos. Mas tinha medo. Mesmo agora era um garoto, e sua dureza era uma forma de compensar uma alma líquida e volúvel, que agora vazava de terror.
"Eu não vou chorar", repetia novamente, relembrando as palavras do guardião que o deixara responsável pelo mundo, com todas suas estações e colheitas:
-Tudo deve ser feito com perfeição, meu pequeno titã. Enquanto circunda o Sol, deves girar o planeta no eixo correto, sem mais nem menos. Um pequeno deslize, mesmo o mais milimétrico, pode acabar com milhares de vidas. E a culpa cairá só sobre seus ombros, mesmo que já estejam cansados. Você é o responsável pela nossa vida e felicidade, você é nosso ser criado para nos trazer alegria.
E quando não mais suportou, sentiu suas mãos deslizarem, e a culpa o acertou no peito, levando ao chão de vergonha, temendo ver o estrago que causara. Cobriu o rosto e achou que estava escondido do medo que sentia dos guardiões e artifices. Costruíram para ser grande, e agora havia falhado, derrotado a esperança de todas as expectativas.
Ergueu os olhos com acusações ecoando em sua mente: vozes amadas, vozes conhecidas, gritando que era um genocida, um imprestável, um homem odiável. Esperou ver o mundo em pedaços, rios de sangue, cadáveres de crianças e o fim de todas as coisas delicadas, mas se surpreendeu. O mundo pairava em seu eixo, rodando e girando livre, como se nunca houvesse sido tocado.
Sentou-se e chorou, finalmente. Suas lágrimas dilapidaram o rosto, as virtudes, o caráter duro, como a água que se choca contra as pedras. Estava livre.

6.4.11

R

O que lhe lembrava a falha não falhava: irradiava a dor que retia. Derretia em ardor quando achava a malha da falha armada.
Amava ralhar do talho exposto. E pressuposto, raiava o augúrio do novo moço, que no esboço talhava a dor arredia em rancor, disposto a compor seu novo rosto nas teias raiadas do mais velho amor.

4.4.11

Dilálogo

- Doutor, acho que estou ficando maluco.
- Porque você diz isso?
- Às vezes tenho a impressão que o tempo não passa.
- Isso é normal, talvez você só esteja entediado.
- Mas vejo isso acontecer todos os dias. Eu olho no
relógio, checo o horário e até vejo os ponteiros se
movendo. Mas não acredito realmente nisso. É como se eu
acreditasse, em minha alma, que ainda estivessem parados, e que nunca irá chegar o "daqui a 15 minutos", o "amanhã" ou o
"todo dia às 10h00". Às vezes, chego a pensar que nem o
"ontem", ou o "ano passado" existiram!
- Acho que entendi seu problema.
- É algo grave, doutor?
- Sim. E irreversível.
- E tem algum nome?
- Se chama juventude. A boa notícia é que não é necessário um tratamento invasivo. Quando você menos reparar, irá acreditar nos ponteiros e nas horas marcadas. Acreditará até no poder
dos segundos e na espera pelas semanas. Vai temer o fim, e
tudo o que fará, então, será contar o tempo que lhe resta.