16.9.11

Coisas simples

Estou preso a 25 anos nessa cela de carne, de onde vejo o mundo todo através de duas pequenas e frágeis janelas. Não se enganem com o que dizem os livros, essa cela é segura. Não há maneira de fugir dela com vida.
E dentro dela só há espaço para uma alma.
É como um invólucro, nada assim desconfortável, mal cheiroso ou penoso. Pelo menos, na maioria do tempo.
Não sou desses de fazer drama por estar preso, entende? Sei que sou culpado, e carrego o peso da culpa por ter sido errado desde o princípio. E me dou bem com isso. Sei que estou pagando meu tempo aqui dentro, e pretendo andar da melhor forma possível, sem causar maiores problemas dos que eu já estou metido.
Mas há quem enlouqueça.
A maioria deles enlouquecem.
Você vê, esse presídio é muito grande, um planeta inteiro de almas presas em celas de carne. Eles andam de um lado ao outro, fazendo suas atividades recreativas, tomando seu banho de sol e lambendo as colheres de gelatina, sem sequer notar. Vivem se divertindo com seus joguinhos de sombra.
Alguns se organizam de forma curiosa: Fingem não estarem presos. Dizem que já são livres e que todos os outros infelizes deveriam segui-los, eles, os corretos, para alcançar a mesma liberdade.
São loucos, eu digo. Todos temos um caminho longo a percorrer. Aqui não existem atalhos. Podem confiar que eu estou certo, porque lá na frente esses mesmos homens encontrarão aquilo do que tentam fugir. Diante de suas janelas, provavelmente em um período quieto da noite, pousará o gárgula com o espelho, e então eles morderão os lábios. Alguns sequer sobrevivem a isso. Partem antes de cumprir a sentença.
É triste, eu sei. Mas é como as coisas funcionam aqui.
Existem aqueles que se perdem dentro da própria cela, inclusive. Chamam isso de "ouvir o coração", ou qualquer termo sem sentido que o valha. Esses obedecem o que lhes vêm de súbito à cabeça. São capazes de criar mentiras da matéria prima do desencanto, com saliva, sangue e suor. Passam o tempo todo tentando executar suas ideias de fuga, cavando buracos na cela, na alma e no pavimento.
É fácil encontrá-los: são os que repousam ofegantes encostados nas paredes da masmorra, culpando e chorando, falando sozinhos com as pontas dos dedos em carne viva.
Ninguém aqui é livre, e esse drama todo suja as paredes da cela por dentro. Isso sim impregna o ar com um cheiro forte, e nos faz duvidar que o sol lá fora está brilhando num dia novo. Já conheci quem passe o tempo todo pintando as paredes de fora de sua cela, enquanto por dentro todas as coisas apodrecem.
Eles podem decidir o que quiserem, mas minha cela não é lugar para ratos e baratas.
Hoje um passarinho pousou na murada. Piou três vezes, e então o descobri, aninhando penas. Sabe, não sei ler. Não essa língua do criador de todas as coisas. O passarinho, sabendo disso, me disse entre chilros que o nome dessa prisão é Intensidade, e eu sorri com ar lúcido. Parecia fazer sentido.
Agora sei o que está escrito no uniforme de todos os homens que cavam, de todos aqueles que ordenam estalando chicotes e de todos que se chamam rei e desfilam com mantos invisíveis.
Mas não vou contar a ninguém sobre meu passarinho. Eles precisam olhar com os próprios olhos. Quem sabe aprendam a ler.
Um dia derrubo as paredes e deixo o sol raiar aqui dentro. Sobre meu leito final, acendendo e queimando todas os pequenos veios de escuridão.
Quando a luz iluminar meu rosto limpo, olharei ela de frente. Não como quem não tem o que temer, pois na verdade, temerei. Mas como quem sabe o que enfrenta, pois a luz será bem vinda.
Sabe, só tenho medo de quem teme a verdade.
Quando a luz iluminar e as paredes caírem, não precisarei mais dessas janelas. Voarei com meu passarinho para a nuvem mais baixa do céu, onde comeremos marshmallows e falaremos de coisas simples.
Enquanto isso não acontece, a nuvem carregada passa tapando o sol, arrastando uma escuridão passageira. E daqui vejo homens se escondendo em suas celas com medo das sombras.
Intensidade...
Haha.
Faz todo sentido.

2.9.11

per feito feito im per feito

fez-se per feito
e para per pe tuar tal per feição
com pos um texto no con texto
sem saber que im per feito se per pe tuou

per ce beu ao des co brir
que co briu im per feições ím pares
que con cebiam feições ín fimas
que com prova vam per feições com pletas

pleno com a des co berta
co briu-se de con tento
des cons truiu o con texto
tentou a feição dis creta
e con cre ti zou-se im per fei to

28.8.11

14:36

Amor e suas mil caras. Uma só é pura.
Tem horas que você ama tanto, que tem vontade de proteger.
Tem horas que você ama tanto, que tem vontade de destruir.
Mas quando não ama, não importa o que faça,
nada importa.

19.8.11

O controlador do tempo

Teve tempo de comprar um relógio.
Comprou para ela, mas não de presente. Usava no pulso, checando o tempo que ela levaria para chegar.
Porque o tempo era engraçado. Parecia trapacear, se estendendo quando buscava seu fim, se encurtando quando tentava fazê-lo mais longo.
E era terrível viver assim, pois um homem deve controlar seu tempo.
Ela chegou atrasada, como sempre. Mas não fora de tempo.
O tempo, esse bandido, se multiplicou sob a sombra do conforto da presença dela. E o rapaz, de carona, se esqueceu de dar valor a todos os segundos.
Então ela foi embora às três da manhã daquele domingo.
Não sei quanto tempo depois, se casou com outra, pois o tempo tudo cura. E nunca era tarde para essas coisas.
Com o tempo, teve filhos.
O tempo os fez crescer.
Durante esse tempo, trabalhou.
Se tornou um homem de pouco tempo.
E o tempo se esticou novamente, tecendo um lar, endurecendo suas ideias e deixando seus sonhos para mais tarde.
Afinal, depois teria tempo para cuidar das coisas importantes. As urgentes são para ontem, e ele não tinha tempo.
Então, naquela terça-feira chuvosa, às quatro e vinte e cinco da tarde, saiu para comprar pães. Perdeu o tempo na hora de atravessar a rua, e o caminhoneiro, apressado, estava sem tempo para parar.
Teve tempo de pensar em toda sua vida, como dizem os filmes do tempo do bom cinema: pensou em cada ano, e em progressão, lembrou-se dos momentos. Nos momentos, o tempo se esticou pela última vez: Viu cada toque. Cada beijo. Cada não. Cada milésimo de segundo projetado na tela de suas pupilas, o instante pausado de sua respiração.
Enquanto reconheceu seu relógio esmagado sob a roda, entendeu, sem mais tempo para se arrepender:
Ele nunca teve controle, afinal, tempo não é dinheiro.

8.8.11

Confissões

Confesso, querida, que me calei.
Esperei silenciar o que gritava, e minha alma secou no peito.
E por isso, repito, que confesso:

Confesso, acordo pensando em seu sorriso sincero.
Confiro se não chegou uma mensagem nova em meu celular.
Encontro as antigas, e esqueço de escovar os dentes.

Confesso, vejo fotos suas com olhar de joalheiro.
Ando decorando semblantes, traços e expressões.
Coisas lapidadas que cintilam e me fazem pensar raridade.

Confesso, tudo teu parece vir em pares.
E seu abraço, o melhor do mundo, tem um gosto próprio:
Uma música que acompanha, uma ideia que completa.

Confesso, de tão grande, esse afeto me assusta.
Como bicho acoado, contemplo assustado de dentro da toca
esse som estrondoso, esse convite singelo, isso que não entendo.

Mas confesso, mesmo temendo, destrancarei as velhas portas.
Abrirei janelas dos quartos vazios.
Voltarei a regar jardins abandonados.

Pois confesso: o que aprendi a fazer sozinho, querida,
como bicho assustado, joalheiro atarefado ou sonhando desperto,
só parece ter graça quando a tua graça está aqui por perto.

7.8.11

Um Deus que dança.

Eu acredito num Deus que dança.
Acredito que Ele balança ao som da melodia que criou. Que, trocando os pés, se equilibre sobre justiça e piedade.
Acredito num Deus que gira sobre o próprio eixo e então desloque lenta e firmemente para baixo de seus braços. Acredito que lance alto, num susto, e pegue em segurança antes de tocar o chão.
Acredito que Deus sorria enquanto a batida forte acelera, e se perguntam se serão capazes de continuar dançando.
Mas é Ele que conduz.
Acredito que Ele sempre sabe qual será o próximo passo, e que nunca perde o raciocínio de sua coreografia.
Acredito que Ele desliza sobre os joelhos no chão encerado dos pátios de marfim e ouro da eternidade, e que lance, abraçado, seu par sobre a terra batida de pó e cinzas diante de Seu gigantesco trono de Poder. Que troque as mãos, rindo, e sem perder a marcação, repete o passo quantas vezes quiser.
Acredito que ele conhece cada passo. Cada acorde. Cada parada. Ele conhece o ritmo, Ele conhece o ambiente, e mais do que tudo, Ele conhece quem conduz.
Ele toma pela mão quem escolhe nesse grande salão que Ele mesmo construiu, e nunca parou uma dança no meio.
E Ele é a estrela do dia.
Ele é a principal atração.
É dEle o show.
O maior dos Dançarinos.

1.8.11

A medida das coisas

Ele tossiu quatro vezes longe da minha vista. Resmungou alguma coisa por dois segundos, e voltou ao seu lugar na fila com três passos. Tinha um metro e oitenta e um cheiro ocre, não forte, de suor. Seus poucos cabelos estavam presos numa tiara velha e amarela. Segurava meio hotdog e perguntou se aquele último ônibus não saía as 00h35. Os olhos grandes, levemente úmidos e jovens, contrariavam a voz afeminada que dizia já ter vivido muitos anos e tido mais de algumas experiências desagradáveis. Questionou gerações como fazem os velhos, enquanto torcia os dez dedos grossos uns contra os outros, e por três vezes, de forma bem lúcida, disse que na vida não possuía pares ou coletivos: ele era só um.

Torres altas, fardos pesados, estradas longas e amores intensos.
Para todas as coisas damos medidas: o kilo, o metro, o volt, o minuto. Existe quantidade até daquilo que não se vê, mas se compara: a culpa, a liberdade, a certeza. O peso da espera.
Medimos para que saibamos separar o muito do pouco, o bom do ruim; para que entendamos o excesso e a miséria.
Mas como se medir uma vida? Quanto pesa o amor, mesmo quando não existe? Quanto fere a solidão? Qual é a velocidade da surpresa quando retorna de uma curva do inesperado? Qual unidade se usa para medir uma alma cansada? Quantos metros um conselho sábio pode te fazer andar?
Qual o tamanho de quem você ama?
A existência medida em altura, circunferência, peso ou densidade, sempre esconderá o ser real. E a ideia, por ser invisível e simples, não cai em nossas tabuadas escolares nem em nossa interpretação científica e tangível: Somos da mesma matéria do universo. Tudo é infinito.
Se vivêssemos como infinitos, sorriríamos só uma vez e sempre para a oportunidade que temos de não ser falta ou exagero, mas completos.

1.7.11

Viveiro das almas

Pessoas são como pássaros.
Umas possuem noção perfeita de tempo. Pressentem a mudança de ar, e logo estão longe do alcance. Elas são livres, e livres se sentem para buscar o calor de outro sol, em outro lugar. Mas essas sempre voltam quando o inverno acaba, enchendo os lagos de nossos olhos de vida.
Algumas pessoas são coloridas e alegres, pequenas e belas, com vozes de alma sonora. Mas terrivelmente frágeis. Essas são almas canoras, passarinhos que morrem ao mudar a estação.
Outras se escondem em ocos, em vazios de madeira, em buracos na escuridão, como são as perguntas que fazem. Nos observam com olhos sábios e curiosos, e hipnotizando a consciência, são predadoras do escuro. Terríveis caçadoras, profetas do espiritual, do começo, do fim e do eterno.
Umas são pesadas e ágeis, incansáveis, e impossíveis de serem apanhadas. Outras, suportam condições extremas para manter em segurança o que tem de mais precioso.
Algumas são fiéis até a morte. Algumas, passam a vida inteira na solidão.
Há as que cisquem, procurando no meio da sujeira alimento; há as que só se alimentem de néctares e sumos doces; há as que dancem em plumas e cores, afim de serem notadas; há as que pairam; há as que param; há as que cantam; há as que só imitam.
E algumas simplesmente não voam.


(dica de música do Gilmore, um desses pássaros que cantam nos beirais e alegram o dia)

20.5.11

A escolha é sua.

Não gosto de brincar de gato e rato. Não tenho paciência para dissimulações.
Se eu digo vamos, espero que esteja lá quando combinar. Se não diz nada, entendo que não quer, e simplesmente não insisto.
Seu espaço, para mim, é tão importante quanto o meu.
Mas se sabe que estou por perto, que espero, que a porta está aberta para você entrar, porque não gira a maçaneta?
Em vez disso fica do lado de fora, no frio.
Fui ensinado a não carregar ninguém pela minha força. Não sou um super-herói, o cavaleiro que salva, o príncipe encantado, a pessoa perfeita.
Sou apenas o homem na frente da lareira.
Enquanto o mundo lá fora se torna cada vez mais frio, eu parto a lenha de um fogo que arderá até o fim.
Dentro e fora da cabana há solidão, mas escolhí esperar onde o fogo arde e a neve no calçado derrete e seca debaixo de luzes que não se apagarão.

24.4.11

Deixar ir.


É necessário deixar ir. O rosto amigo, o tempo vivido, a paixão do momento. É necessário deixar ir o que te cativa, o grupo que participa. É necessário deixar o passado se tornar lembrança, e mesmo que se apegue no valor do que foi, não exigir que continue sendo.
É necessário o adeus.
E se Deus quiser, haverá retorno.
Quando se tornar presente, o rosto amigo se tornará irmão. O tempo vivido, felicidade real. A paixão do momento, amor para a vida toda. E é quando o tempo colabora com a intenção que a eternidade acontece. Se solidifica, tornando-se presente na lembrança, na verdade e na esperança.

12.4.11

O pequeno Atlas


Dissera a sí mesmo que não iria chorar, que isso era parte do processo, e que seria maduro o suficiente para suportar o peso. O peso do mundo.
Tinham escolhido o garoto para ser o responsável por manter o planeta, aquele gigantesco globo, pairando no espaço. Era robusto, de ombros largos, e duro o suficiente para sustenta-lo por séculos. Mas tinha medo. Mesmo agora era um garoto, e sua dureza era uma forma de compensar uma alma líquida e volúvel, que agora vazava de terror.
"Eu não vou chorar", repetia novamente, relembrando as palavras do guardião que o deixara responsável pelo mundo, com todas suas estações e colheitas:
-Tudo deve ser feito com perfeição, meu pequeno titã. Enquanto circunda o Sol, deves girar o planeta no eixo correto, sem mais nem menos. Um pequeno deslize, mesmo o mais milimétrico, pode acabar com milhares de vidas. E a culpa cairá só sobre seus ombros, mesmo que já estejam cansados. Você é o responsável pela nossa vida e felicidade, você é nosso ser criado para nos trazer alegria.
E quando não mais suportou, sentiu suas mãos deslizarem, e a culpa o acertou no peito, levando ao chão de vergonha, temendo ver o estrago que causara. Cobriu o rosto e achou que estava escondido do medo que sentia dos guardiões e artifices. Costruíram para ser grande, e agora havia falhado, derrotado a esperança de todas as expectativas.
Ergueu os olhos com acusações ecoando em sua mente: vozes amadas, vozes conhecidas, gritando que era um genocida, um imprestável, um homem odiável. Esperou ver o mundo em pedaços, rios de sangue, cadáveres de crianças e o fim de todas as coisas delicadas, mas se surpreendeu. O mundo pairava em seu eixo, rodando e girando livre, como se nunca houvesse sido tocado.
Sentou-se e chorou, finalmente. Suas lágrimas dilapidaram o rosto, as virtudes, o caráter duro, como a água que se choca contra as pedras. Estava livre.

6.4.11

R

O que lhe lembrava a falha não falhava: irradiava a dor que retia. Derretia em ardor quando achava a malha da falha armada.
Amava ralhar do talho exposto. E pressuposto, raiava o augúrio do novo moço, que no esboço talhava a dor arredia em rancor, disposto a compor seu novo rosto nas teias raiadas do mais velho amor.

4.4.11

Dilálogo

- Doutor, acho que estou ficando maluco.
- Porque você diz isso?
- Às vezes tenho a impressão que o tempo não passa.
- Isso é normal, talvez você só esteja entediado.
- Mas vejo isso acontecer todos os dias. Eu olho no
relógio, checo o horário e até vejo os ponteiros se
movendo. Mas não acredito realmente nisso. É como se eu
acreditasse, em minha alma, que ainda estivessem parados, e que nunca irá chegar o "daqui a 15 minutos", o "amanhã" ou o
"todo dia às 10h00". Às vezes, chego a pensar que nem o
"ontem", ou o "ano passado" existiram!
- Acho que entendi seu problema.
- É algo grave, doutor?
- Sim. E irreversível.
- E tem algum nome?
- Se chama juventude. A boa notícia é que não é necessário um tratamento invasivo. Quando você menos reparar, irá acreditar nos ponteiros e nas horas marcadas. Acreditará até no poder
dos segundos e na espera pelas semanas. Vai temer o fim, e
tudo o que fará, então, será contar o tempo que lhe resta.

28.3.11

Um conto pequeno e mesquinho

Era uma criaturazinha precoce, cheia de medos, que andava curvada sob o sol.
Chamaram-o de trevas, e se arrastava como que escondendo da luz. Não tinha amigos, e todos os outros, que eram mais altos e fortes, o pisavam para alcançar as coisas que queriam.
Ele se mantinha feliz simplesmente se mantendo longe de seus caminhos.
Mas um dia a luz refletiu em um espelho e o atingiu em seu coração negro, que brilhou de volta, e todo o mundo viu a vergonha, a humilhação, o medo e o trauma se iluminar por todo horizonte. As pessoas correram da aparente maldade daquele monstro escondido, mesmo sendo pequeno, mesmo sendo fraco.
E atingido em cheio por amor e essa revelação cósmica de que poderia ser grande, se tornou forte. Seus músculos romperam velhos tendões, e com dor sua alma se expandiu, rompendo barreiras de nervos, consciência e morais embotadas. Se retorcendo no chão, gritou de liberdade que aquela linda tortura o trazia, e escoando sua maldade num caldo oleoso, negro e sujo, tornou-se limpo. O sol queimava sua pele nua cheia de vergonha, e o tostava até formar bolhas, descamar e arder.
E o mundo o viu erguer, grande, bronzeado e belo. Ele chorava com o perdão que se dava, e mesmo humilhado, sentia-se feliz.
Porque brilhava.

21.3.11

Por definição, o perdão?

Primeiro se perdoa, ou primeiro se admite a falta? Quem não assume o erro não pode ser perdoado, ou quem é rancoroso não perdoa, mesmo que se admita as falhas? Ou melhor: O que veio primeiro, o perdão ou o arrependimento? E, sendo Deus bondoso e justo, o que é mais necessário: uma vida de constante culpa (visto que todos errarão um dia), ou um constante deleitar-se na indignidade de poder aproveitar a presença dEle, mesmo num corpo pecador?
O que é maior: O Amor ou a Justiça?
Essas perguntas definem as respostas que definem o tipo da sua fé.

18.3.11

Pequeno comentário

Triste é um homem que sabe discutir política, filosofia, religião, verdades eternas, paixões e culturas, mas nunca aprendeu a se divertir.

16.3.11

The sound of silence



De todos os valores que exercito, desde a intensidade em emoções e intenção de perfeição em atitudes que gritam quando me observo, exatamente o que eu nunca busquei é o que mais sinto falta: o mediano, o silêncio, a estática, o ócio.
E se por dizer isso eu seja interpretado como mais um malandro boa-vida, não me importo. Sei que nem só de descansos se faz um caminhar, mas um andarilho lento e paciente vai mais longe e aproveita melhor o caminho do que qualquer maratonista apressado. Essa metáfora está perfeita. Passamos correndo por tantas coisas no dia-a-dia, que não temos prazer ou surpresa ao encontra-las.
Vivemos no ciclo do muito, do doar até esvair, do compensar na vingança, do chacoalhar o Pé da Intensidade para conseguir no meio das frutas verdes alguma madura. Pois precisa ser aqui, agora, dessa forma.
Mas me digam vocês, paladinos do mérito, que sempre foram vitoriosos em batalha (mesmo quando outros a lutaram): o que um homem precisa além de uma cama para dormir, um prato para comer e uma mulher para amar?
Deus, talvez. Mas Esse habita no silêncio da alma. Barulhos continuam a distrair do que importa de verdade; pregadores e revolucionários gritando em praças públicas, músicas, sempre iguais umas às outras, o martelar de obras milenares que se estendem pela história e que nunca terminam; e o eco teimoso de vozes de filósofos e psicólogos, poetas e antropólogos, tentando descobrir como alcançar o tesouro da felicidade eterna. Estou certo que está enterrado em cada peito, no coração de quem a carrega.
Mas os barulhos, aumentando, levam homens à loucura, para mais longe da solitude e do hábito de acalmar a alma abalada diante do invisível, do imutável, do não sonoro YHWH.

13.3.11

O fim dos mundos.

Algo brotou dentro de mim. E o que cresceu foi um universo.
O que eu queria dizer é que tudo o que nasce é poeira, tudo o que morre é um mundo.
Queria falar da urgência, de que passamos muito tempo contemplando o vazio enquanto estrelas colidem, o mundo gira, crianças morrem de fome e amores morrem de solidão.
Queria falar dessa humanidade em constante incômodo, se empurrando e puxando afim de estarem certos, abraçando qualquer verdade como uma luz pessoal que ilumina seu próprio canto, e não mais que isso, num universo que chama de trevas, enquanto lá fora brilham constelações.
Tanta luz em estrelas flamejantes, cometas raiados, explosões de gases, cores e maravilhas, e somos atraídos para buracos negros de nosso impulso em consumir e destruir a nós mesmos, ao nosso mundo.
O medo da humanidade é que o mundo acabe. E em breve repararemos que é verdade, esse pode ser o fim. O fim do dia. O fim da confiança. O fim de uma amizade. O fim de quem se ama.
Falem de tsunamis, de inclinações que mudam, de explosões e de cavaleiros do apocalipse, pois já ví mais fins de mundos do que sou capaz de suportar. O brilho de uma supernova nos olhos da criança que vê o enterro do próprio pai. O gelo da estrela que morre na resposta seca entre quem já disse amar. Já ví ondas varrerem corações. A terra se rachar e engolir promessas. Já ví o alvorecer doentio de um sonho moribundo.
Então, que venham os fins de mundo!
Que o fogo purifique, que a morte consuma, que a praga, a peste, e todas as bestas de profecias façam cá sua morada. Que cada parte desse mundo morra para renascer imortal.
Pois o que ninguém descobriu é que o mundo já acabou.
Isso pode ser o fim de tudo.
E eu te espero no por do sol de uma geração agonizante. Quando tudo é marcado para o fim, nada do que se faz é pequeno. Podemos ainda ser um mundo. Com vida. Milhares de eras passadas em um segundo. Afinal, o que é o tempo no fim?
Isso pode ser o fim de tudo.
Então, porque não vamos a um lugar que só nós conhecemos?
Se tudo que morre é um mundo, só ao que é imortal chamaremos lar.

12.3.11

Não é a palavra nem a ação.


Se você me conhece, sabe como odeio a frase: "o cristianismo é um estilo de vida.".
Isso é muito pesado. Pouco exige esforço, já que, para ser cristão, só é necessário imitar um modelo: como quadros, músicas ou filmes. Só é necessário repetir padrões e conceitos em roupagens um pouco diferentes.
O cristianismo também não é uma verborragia, um discurso vazio que se espalha irritantemente de pessoas igualmente vazias. Mas é óbvio, e por ser tão declaradamente errado, não é isso que eu temo.
Eu tenho medo do nicho, e da sensação de minoria. Eu tenho medo que tal definição de fé nos leve a tomar uma identidade política, de tribo, ou de uma raça, contrariando o real conceito do Reino de Deus.
Mas o que importa? Precisamos de respostas fáceis, de curas paleativas que nos ajudem a fugir das perguntas.
Imprimimos padrões desde o primeira abordagem. Queremos o controle, e por isso comandamos: Se quer levante a mão, repita a oração, diga seu nome, venha à frente, dê o dízimo, leia a bíblia, faça nossa escola de teologia, lidere um grupo, evangelize, compre nossa linda camiseta, não questione, não critique. Seja aquele quem mandamos você ser. Tenha o estilo de vida que eu sei que Jesus tinha.
E então usamos a pulseira "O que Jesus faria?". O que Jesus faria se fosse assaltado? O que Jesus faria no trânsito de São Paulo? O que Jesus faria se fosse convidado para debater extraterrestres na TV? Eu não sei. Você sabe?
Mas algum dia um encontro escandaloso e absurdo aconteceu, e então dizemos ter sido encontrados por Deus. Apesar do nível de loucura dessa declaração, afirmamos com todas as palavras: Sabemos o nome do Salvador da humanidade. Eu o ouví, Ele disse que me ama. Ele disse que não existem mais barreiras, que fui perdoado, e que habita dentro de mim.
Não é à toa que os antigos eram jogados ao coliseu e odiados pelos romanos, politeístas, que acreditavam que cada um de seus deuses era uma representação de um atributo universal. Seria muita arrogância afirmar "Minerva habita dentro de mim", pois isso transformaria a pessoa automaticamente no guerreiro mais sábio do universo. Mas era isso que diziam aqueles cristãos subversivos, com seu Deus estranho. Eles eram odiados por serem arrogantes o suficiente para dizer que através de um sacrifício messiânico, elas agora incorporavam a essência do Criador do universo, inclusive das formas do céu e todas as suas manifestações divinas. Cada cristão dizia: em mim habita algo maior que todos os poderes de seus deuses juntos.
"Então provem isso vencendo meros leões". E pereciam.
E agora vejo jovens mal vestidos, embalando jargões, tentando criar modos seguros de se namorar e recalcando antigas formas de pensar. Vejo jovens quebrando CDs e videogames, e pergunto se o deus que habita dentro deles não é Dionisio, com sua característica loucura e paixão cega.
Me pergunto o que aconteceria se um dia descobríssemos e acreditássemos que aquEle que criou a tudo e a todos se move através de nós, com toda sua humildade, poder, perdão, justiça e bondade. O que aconteceria se parássemos de fazer o que Jesus faria e acreditássemos na mesma loucura dos antigos, perguntando para Jesus: - Ei, o que você quer que eu faça?
Ele vive.
O cristianismo não é um estilo de vida. É um relacionamento escandaloso.

2.1.11

Um conto

Um rei triste olhava o horizonte azul com olhos de soluço.
Mandara fazer o alto trono na torre de vigia, e passava os dias lá, do alvorecer ao crepúsculo, pois o que mais amava na vida estava doente, expirando aos poucos, em uma cama febril.
Enchera as praças do reino de cartazes suplicantes pela cura e com promessas gordas de recompensas a quem corajosamente encarasse chagas e febres com respostas verdadeiras e definitivas de melhoras. Trapaceadores levaram seus tesouros e sua esperança, já saqueada.
Aos poucos, o coração real tornou-se mais amargo.
Criara perguntas rígidas e padrões de consultas. Desencorajou indicações de médicos e magos, e a visita de portadores de resposta se tornaram cada vez mais raras, até cessarem.
O ódio tornou-se aliado de seu coração abalado e negro, e não era mais a desconfiança que o motivava, mas o desejo de ferir a todos. Se o que mais queria continuasse sendo negado, seu coração egoísta decretou que ninguém mais poderia ser feliz.
Agora esperava o horizonte desbotando nas ultimas horas de seu mundo, pois seu amor estava morrendo, e com ele, tudo também haveria de morrer. Colocara engradados de pólvora e derramara barricas de óleo em diferentes pontos da cidade, e ordenara guardas fiéis que sabia que obedeceriam a ordem (mesmo em custa da própria vida) de explodir casas, currais e lojas, e com eles, pessoas e animais; assim que o sol se derramasse no horizonte.
Mas seus velhos olhos nublados de desesperança o tapearam.
Um cavaleiro veio com respostas. Ele mesmo enfrentou portões fechados e guardas hostis enquanto o rei dormia. Descobriu a conspiração de sabotagem real, e acabou se sacrificando em lugar de muitos. Com o corpo alvejado de flechas, caiu sobre o rio da cidade depois de desarmar os guardas e mostrar a todos a extensão da loucura que os acometera.
O rei só acordara em um novo alvorecer, que achou que não haveria. Destituído de poder, ouviu um som fúnebre cruzar a cidade: Um silêncio iluminado, só cortado pelo barulho de pés chapinhando as pedras de calçamento e violinos lentos. Vieram busca-lo para encher uma cela vazia na torre que ele mesmo construíra. E o silêncio continuava, sinistramente transpirando vida, carregando o corpo do verdadeiro herói, cujo segredo de cura estaria para sempre escondido no fundo das águas, e o corpo do amor doente, que morrera aquela tarde, enquanto o rei dormia.
A antiga realeza ria loucamente em sua cela fria, mas os corações poderiam descansar na esperança. Tudo havia terminado.