24.12.10

O inverso do que se vive. Feliz natal.

Há pessoas que odeiam por odiar.
Haters gonna hate, como dizem.
E há quem odeie o natal, pelo simples motivo que isso se tornou bonito, como é bonito, hoje em dia, odiar tudo que é ideológico e provido de sentido.
Temo que minha geração, a juventude de que faço parte, tenha se tornado uma espécie de massa unificada do blasé e de desprezo, que é, muito mais que o ódio, o inverso do amor.



Hoje, véspera de natal, ví uma jovem quase atropelando um flanelinha na rua. Com seu trapo imundo ele tentava limpar o para-brisas do carro da moça, e como provavelmente não ouviu os apelos para que parasse, quase foi esmagado pelas rodas do gol. Ele saltou de lado assim que ela pisou no acelerador, derrubando o garoto, a flanela e a esperança de conquistar alguns trocados.
Provavelmente essa mesma moça bebeu e comeu bastante hoje a noite. Desejou feliz natal e brindou com seus próximos uma vaga lembrança de um Salvador que morreu pela humanidade.
Mas eu poderia julgar a sinceridade com que a moça comemora a festa com seus iguais? Não. Pois somos todos, sem exceção, extremamente egoístas.
Não é disso que o natal nos fala?
O natal fala de um Deus que viu uma humanidade quebrada e sem rumo, cada um correndo pelo que acha certo em seus propósitos errados para um destino duvidoso. Cada um ouvindo o som de suas próprias dores, defendendo o sonho de curá-las, cada um capaz de destruir quem se botar à frente dessa tentativa de cura forçada. São pessoas de atos mecânicos. De centenas gastas em shoppings. De compras automáticas-obrigatórias. De um Deus que viu uma humanidade capaz de atropelar flanelinhas em faróis se isso a atrasar alguns segundos em sua corrida pelo sentido da vida.
Mas no que somos diferentes dessa garota, afinal de contas?
Corremos um sprint infinito para um abismo de nossos sonhos loucos.
Mas o natal é a celebração do anti-egoísmo. É, por sí só, contra-cultural, apesar de não sabermos ver isso, e muito menos viver isso. É a propagação que ecoa: "Paz na Terra aos homens de boa vontade".
É a poderosa mão estendida na manjedoura da fragilidade.
É a celebração de ofertar sem esperar em troca, de descobrir as vontades de quem amamos, de entender sonhos, de perscrutar corações para, com o sustento do bolso, arrancar sorrisos. Não se trata do presente mais caro, da ceia mais farta, da roupa mais bonita. É a tentativa de, uma vez por ano, viver para o próximo.
Mas como todo ritual, a coisa tende a se tornar massificada, áustera, absolutamente burra. Pessoas lotam centros de compras de maneira automática, sem pensar em sentido e prazer, de uma forma quase vulgar.
A publicidade engole os sonhos. O consumismo apaga a beleza e o brilho das luzes do natal mágico. Cria-se novos símbolos para o lucro, e abordagens mais comerciais de antigas verdades.
Tudo se torna demasiado e de mal gosto. É uma distribuição geral de roupas baratas, canecas, gravatas e sorrisos sem-graça. É triste, enfadonho e sem sentido.
Mas o natal também é a celebração da esperança. Do "um menino nos nasceu": Ele continua dando presentes para o flanelinha e para a moça do gol. Ele continua salvando, Ele continua amando. É essa boa nova, o raio de luz nas sombras cinzas do mundo. Um dia de lembrança, quando as pessoas falam de paz e pazes, de amor e de boa vontade, no meio de um ano inteiro de gente se engolindo e se detruindo, voltadas ao próprio umbigo.
E por isso, é o contrário do sistema.
O natal é o inverso do que se vive, o avesso do que você espera.
E por ser a celebração da esperança, acredito que ainda, um dia, aprenderemos a celebrá-lo.

Feliz Natal para todos vocês.

1.12.10

Nozes não somos as árveres.


Se, ao ver que existem ervas daninhas no jardim, o jardineiro resolver corta-las rente ao solo, terá uma terra limpa e cuidada por uma semana. Assim que cair a primeira chuva, o mato voltará a crescer e sufocará as plantas boas.
O homem é como a terra. Não é bom nem mal, mas florescerá de acordo com o que for plantado nele. Nennhuma injúria cresce sem brotar de uma semente. Nenhuma violência se manifesta antes de ter virado um tenro broto verde. Assim como nenhuma flor cresce simplesmente do vazio, sem ser levada por alguma força externa.
O pior vilão e o melhor herói que estão entre nós são resultado de complexas redes interrelacionais, psicossociais, culturais, demográficas, biológicas e espirituais. Isso é o que define quem somos e quem são esses que estão nos cercando agora, em todos os cantos do mundo.
Mas nós acreditamos ter poder de julgar o certo e o errado. O digno e o indigno. O salvo e o condenado. Nós apontamos falhas, menosprezamos diferenças e criamos coisas como as classes sociais e a pena de morte para distinguir o bom do mal. Separamos, catalogamos e rotulamos os jardins desse mundo. Não temos compromisso com a terra, com o desejo de purificá-la, de fazermos com que fique melhor para quem virá colher os nossos frutos semeados.
Temos medo. Temos medo de cavar muito fundo em nosso interior, de arrancar todas as raízes daninhas, de revirar a terra, de queimar as sementes das pragas de nosso coração. Queremos a cura em frascos de agrotóxico que tomamos para esquecer, em respostas rápidas como o jardineiro que corta o mato rente ao solo.