17.9.13

Vazamento de alma

Alguns dias a alma parece líquida dentro de meu espírito quebrado. Ela vaza, e eu me pego escorrendo por aí.
Se querem saber por onde passo, é só ver as paredes sujas de saudade, o chão alagado de desejos e minhas roupas manchadas de dores de todas as cores. Eu poderia tentar concerto, mas depois de muito esforço, descobri que não existe remédio para espírito de cristal trincado.
Por isso, passo meus dias fabricando sonhos. No final das horas perdidas, remendado e sorrindo a passos largos nesse aguaceiro das almas, sei que continuarei fazendo sujeira em meu caminho, mas nunca estarei totalmente vazio.
O fogo me fará inteiro e cristalino.

The Transfiguration by Sufjan Stevens on Grooveshark

7.9.13

Minhas caras

A máscara está proibida,
as más caras públicas estão
todas proibidas porque são
de uma gente bandida.

A cara do desgosto
que tanto ameaça nosso passeio,
nosso caminho do fio, o meio
dessa gente sem rosto.

Da alienação.

A hipocrisia tá ilegal
não pode mais prometer
(e não cumprir).
E se vê algo leve,
(enquanto quer rir)
fazer cara de mal.

Não pode cozinhar ser,
e quando põe na mesa,
a tal máscara reveza
e sendo se torna ter

Não pode tentar viver, não.
Não pode teatro, dor, fuga.
Não pode creme anti-ruga.
Não pode coração.

Masca rasa a angústia
de quem acha normal
sonhando um país igual
reclamar da dor do nunca,

marchando nu na frente
de capacete e farda,
cacetete e má vontade,
sorrindo, ensolarado e passando mal,
desmaiando no meio da avenida.
Gás, pimenta e incerteza,
debaixo do maior sol da vida
do velho carnaval.

17.8.13

O descanso dourado

De toda geografia de sua superfície
sem barrancos ou desníveis,
de toda planície e montanha,
montes de sonhos e suspiros,
de todos doces de teus sabores,
de todas amoras e amores,
há um pedaço onde eu morreria:
o gigantesco vale de teu ombro,
comendo o doce de teu cheiro,
junto à cascata de seus cachos,
à sombra de teu pescoço,
vendo o sol que te dá tempero,
se pondo em teu pelo, loiro.

E se lá repouso,
sonho que nado em tesouros,
num mundo feito de luz, amor e ouro.

Flowers in Your Hair by The Lumineers on Grooveshark

6.8.13

Ilhas de silêncio

Às vezes, quando tento dizer o que sinto, descubro que é tão indizível que chega a ser insentível. Então procuro palavras novas, que também só fazem sentido para mim, e percebo que o mar também é coração, e está cheio de ilhas de silêncio.

19.7.13

Acorda, menino.

Sente culpa até quando acorda, e se não desperta para isso, tem tudo para se enforcar na corda que sentiu apertar.
Porque paixão só serve para poesias e ideais, para a ânsia de um mundo melhor, mas para o mundo real, não.
Mundo real é feito de matéria concreta, de pesado concreto cinza, que não flutua na imensidão de sonhos líquidos desse frágil oceano.
Acorda, menino. Não sonhe sobre o sonho. Vista seu terno cinza e se deixe afundar. O barco do desejo que navega não tem leme e pode vir à pique nesse mar de corais e pedras afiadas.
A corda, menino.
Acorda pra vida.
A cor da vida.

21.5.13

Quanto é que dói?


Ela chorou porque cortou cebola, ele disse, surpreso porque chorava ao vê-la chorar. Posso suportar a cebola, mas não ver a garota que amo chorar. Ouvindo tal coisa, o outro riu, até que caiu, e chorou. Não era tristeza ou legumes, mas dor. O que era um absurdo para aquele tal que vivia na academia suportando os pesos no ferro, com o discurso que a dor é natural, e não havia lágrima para se derramar ao senti-la, mas descobriu-se com câncer. E chorou. Assim como chorou a estátua de pedra na frente do prédio onde foi internado, uma fonte deformada, gárgula esculpida sobre a piscina de carpas. Carpas choram o tempo todo. E também chorou o menino que deixou cair o pirulito dentro d'água. Chorou de alegria a mãe no reencontro, com um gosto de tristeza no fundo, e se alegrou até chorar novamente, na despedida. Chorou o bon vivant ao se ver sozinho em um apartamento mobiliado no centro da cidade, enquanto assistia um documentário em que uma criança africana, barriga do tamanho da lua, rifle na mão, conquistado ao matar os pais, chorava por ver negado o direito de se abraçar uma boneca. Chorou superman ao ver a kriptonita. Chorou o casal desfeito. Chorou o amigo perdido.
Então anjos confusos tramaram, rindo, destruir o mundo. Achavam escandaloso uma gente tão forte ser tão fraca.
Porque anjos queriam chorar.

23.4.13

Aquela sensação de vazio

As vezes tenho a impressão que viver consiste em usar todos os recursos possíveis para fugir desesperadamente da verdade, até que, em um dia luminoso e leve, a morte sorrateira e de passos mansos nos faz parar de mentir. A verdade impiedosa é que tudo é inútil e vazio.
Vaidade das vaidades, diz o pregador, tudo é vaidade.


Hoje, se vivo, vivo porque amo. Maior que meu medo do escuro é o medo de não ter quem apague a luz quando eu fechar os olhos.

11.3.13

A guerra e os jardins

Querer um mundo melhor dói.
Tenho notado como nossas paixões sempre nos levam ao tombo de um lado ou de outro desse muro alto, pois o extremismo não é um largar-se total à uma ideia enganosa. É mais sorrateiro e fatal.
É um simples passo em falso.
Tenho notado como nós somos intrinsecamente maus. Sem correção. Corruptos até a alma. Tenho notado como fazemos tudo para defender ideias antigas que não funcionam em um ideal mais elevado de vida. Tenho notado como lutamos por mesquinharias e bandeiras pessoais à despeito do interesse de todos. Tenho notado que, quando o garoto invade nosso quintal para florir a cabeça de sua paixão juvenil, baleamos sem dó a inocência invasora. Nossos quintais estão cheios de sangue.
Mas tenho notado que lutamos, e por isso digo que dói tanto essa dor de querer mudar a paisagem de almas que nos cercam. Nós lutamos contra inimigos invisíveis, que muitas vezes não conhecemos sequer o nome, porque isso é da natureza humana. Tentamos corrigir o que está errado, porque sabemos de nossa total perversão, consciente ou inconscientemente. Nós somos nosso próprio demônio e o inferno para todos aqueles que vivem conosco. Nós queremos aniquilar o mal que vemos nos outros. E o mal que vemos nos espelhos que chamamos de janelas.
Tenho notado que apesar de verdadeiramente maus, não nos conformamos em nossa condição. Nós queremos o bem que não conhecemos. A despeito de sermos ocidentais ou orientais, ateus ou religiosos, negros ou brancos, o que buscamos em nosso mundo é a correção do que somos; a cura para nossa deficiência, apesar de não notarmos nosso manquejar.
Por sermos maus, ainda sofreremos nas mãos uns de outros por querermos conquistar o que não sabemos o que é. Por sermos perversos, malignos e corruptos, ainda nos feriremos, e vez por outra até os mais sóbrios tombarão desse muro alto. Muitos morrerão. Mais genocídios ideológicos e verdadeiros aniquilarão nossas crianças, nossos sonhos, nossas flores. Mas no fim, de tanto lutarmos, encontraremos isso que nem sei nomear, mas alguns chamam de Paraíso.

Ho Hey by The Lumineers on Grooveshark

4.3.13

O casulo da alma


Aquele velho aperto de não saber para onde fugir. Quando paixões e crenças só parecem ser anestesiantes, produtos fabricados para retardar o crescimento. Quando tudo o que se quer é romper tudo. Sublimar. Transcender.
Mas esse casulo não se parte. Nada o faz frágil.
Eu não sei se meu desejo é de uma existência mais profunda e mais real, dado que nada nesse mundo me parece muito natural; ou se na verdade, o natural não sou eu. Como uma espécie de alienígena aprisionado em um globo azul dentro de um casulo móvel. Querendo rasgar com todos os velhos conceitos, e em seu ritmo cardíaco fora do compasso humano, voar de volta pra casa.

I Found You by Alabama Shakes on Grooveshark

1.2.13

Confissões de um louco


Sabe, você não assume logo de cara ser um quebrado. Não. Isso doeria demais, porque você vê as pessoas todas por aí, andando com suas duas pernas, todos os dentes na boca, os pensamentos em ordem, sabendo que lugar ocupam no mundo, vivendo naturalmente no senso comum. Esse é o lugar delas, e não há nada errado nisso, obviamente.
Mas você não é assim. Sim, você sabe, mas não sabe como mudar. Você é cercado de pessoas que também sabem, mas não querem te dizer como nem o porquê, porque também se sentem confusas e amedrontadas com você. Mas elas gostam de você. E você gosta delas. Por isso, tenta se adaptar no pensamento de que é claro que, quando um vai em uma direção e mais de 6 bilhões em outra, algo está errado com o avulso, não com a massa.
Você engole o medo e se infiltra. Tenta se mesclar na multidão, brilhando loucamente como uma caneta marca-página num estojo de esferográficas. Seu jeito é diferente, sua maneira de ser feliz não se encaixa, porque você não é bom como eles, simplesmente isso. Você nunca escreverá um poema ou rabiscará um papel de pão. Você não serve para fazer contas no bloco de notas, para rabiscar garatujas enquanto se fala no telefone. Você é muito desengonçado para isso. E a analogia para por aí; eu não vou tentar ser otimista, dizendo algo do tipo: "só você pode marcar páginas de livros", afinal canetas bic também fazem isso. Esse texto não é sobre ser otimista. É sobre coisas quebradas.
Por isso, na verdade, você continua se fazendo de normal, fingindo não sentir o que sente, negando o remédio que te oferecem por te fazer a boca seca e perder mais um pouco da lucidez. Você diz que não precisa, que está tudo bem, que seu esforço é o suficiente, e que você vai fechar os olhos (1,2,3...) e tudo vai passar, já que você mereceu, porque você foi bonzinho, orou direitinho para Jesus, porque você deu seu melhor. Você faria tudo para se prometer remendar, mas o que não quis assumir, o que sempre esteve na sua cara, escrito nos sinais e na forma como as pessoas te olham, o que está óbvio entre suas relações e nas entrelinhas de cada conselho de quem te ama, é indiscutível: você é um quebrado.
E o que não assume é que estará quebrado pra sempre.
Eu acho que os médicos chamam isso de loucura. Eu nasci com ela e nunca a admiti pelo pavor que essa verdade me causava. O pior dos terrores. Mas agora a abraço até com um certo carinho. Não orgulho. Não como algo que a usaria num pingente para exibir na rua. Mas como algo que eu sou. Eu amo minha loucura como amo minha mão ou meu pé, que são parte de mim. Não são admiráveis, nem sequer charmosos, mas permitem que eu funcione, e a menos que alguém me mate: um homem, Deus, o tempo ou o acaso, será o que sempre fui e nunca deixarei de ser. Pernas, pés, mãos, barriga e loucura.
Sou um quebrado, desfilando banguela e descabelado pelas esquinas do universo com meu passo torto, gritando alto, chamando atenção de quem dorme o sono dos justos e o repouso dos perversos, fazendo vigílias em tempo de paz, acompanhado de um cão velho chamado remorso.
Acredito que um dia, no meio dessas caminhadas claudicantes, vou encontrar um repouso no caminho. Se for o fim, será, se for o meio, descansarei. E então olharei para minha companhia, sentada comigo no banco de praça, meio-fio, grama alta, clarão de floresta, pátio de castelo, sofá de casa, hall de mansão, assoalho de masmorra, piso de banheiro, e direi que fui o que sempre fui.
Perdi meu anseio por redenção. Agora só quero ser sublimado.

Sorrow drips into your heart through a pinhole
Just like a faucet that leaks and there is comfort in the sound
But while you debate half-empty or half-full
It slowly rises
Your love is gonna drown