17.1.12

Paraíso num fio de algodão

A gente vai aprendendo a se desprender.
É como soltar-se aos poucos do medo de que, se a gente soltar o próprio medo, o que importa irá embora. E o medo é o medo do vento forte.
É o medo de que, ao entregarmos aquela pipa bonita ao ar, o estirante vai estourar e só fiapos da seda colorida dançarão no céu de tempestade. A gente tem medo é da perda, do vento que leva embora os sonhos de rabiola, fita e cola.
Há então quem passe o tempo todo olhando para sinais. As folhas de árvores que dançam numa direção, o sentido que cai a água que escorre, a força que as roupas balançam no varal. Tentam até medir o invisível, à dezenas de metros de altura, como quem descobre padrões maiores que eles mesmos. São os meteorologistas de elevador, graduados na teoria da dor.
Gente assim não solta pipa, pois sentem apego pelo medo do vento forte. Desistiram das cores que dançam contra o céu ora cinzento, ora azul profundo. Desistiram da sensação de leve controle sobre o brinquedo frágil, a linha que puxa a pele com delicadeza, o som distante das fitas que chicoteiam o ar. Desistiram do amor por todas essas coisas frágeis, cuja perda é dor maior que se espera.
Só que um dia a gente aprende a se desprender. Mesmo sabando que pode enroscar, que um homem maldoso de cortante e pipa preto dará um rasante e veremos outra peça flutuar para longe, que a chuva pode surgir do nada, reduzindo o papel fino do novo sonho à furos e rasgos. Mesmo sabendo que poderá doer no peito a saudade das cores que voam.
Nós continuaremos dando linha, só para saber quão alto chegaremos.
E quem sabe um dia, contra todas as expectativas de quem acha que conhece o vento, subamos tão alto que achemos o paraíso através de um fino fio de algodão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário