21.11.09

Retrato de uma fé louca



- Essas pessoas mundanas aí, usando saias para cima do joelho! - A mulher fez cara de nojo ao terminar a sentença.
Eu estava parado de pé, surpreso, e ouvindo a mulher falar. Quando eu e meu amigo Daniel oferecemos um marca páginas com versículos bíblicos para a mulher, foi na intenção de falar do amor de Jesus para ela. Não esperávamos encontrar alguém já vivenciado de igreja, e ao mesmo tempo, tão ignorante de amor.
- Eu tenho que ver isso, logo eu, que sempre seguí corretamente todos os preceitos da cartilha da Assembléia de Deus! Aquela piranha que casou com o pastor, ela sim que colocou todo esse lixo na cabeça do povo da igreja.
E a mágoa era notável em cada palavra. Ira, frustração, nojo. Todos esses sentimentos, enquanto se esquivava de ouvir qualquer palavra de consolo que eu e meu amigo tentávamos esboçar.
- Vocês acham que sou daqui? Não, não sou! Esse lugar não é lugar para uma filha de Deus como eu!
Evidentemente, ela estava mentindo. O cheiro dela, as roupas dela, o trato dos cabelos, tudo desmentia o fato de que ela também estava hospedada naquele albergue, um lugar terrível para qualquer ser humano. Mas ela não poderia admitir isso. Não ela, não uma filha de Deus como ela, superiora como era a qualquer outro em santidade e eleição. Era, evidentemente, mais uma crente da religião da intolerância, preconceito e ódio. Uma seguidora do Jesus vingador, de olhos de fogo, espada nas mãos e decaptador de mouros. Era uma mulher que enlouqueceu na exclusão e na solidão, mas que não abria mão de sua fé torta e provável razão de sua loucura.
Quando estava claro que ela não nos deixaria falar, nem que nossa presença representava alguma diferença para ela, eu e o Daniel demos meia-volta e começamos a sair. Ela não se deu conta, continuou falando sozinha, olhando para os lados, como quem se auto-justificasse diante de uma platéia de acusadores.
E continuou falando, até que a voz dela sumiu à distância. Falava à platéia inventada, falava coisas que ninguém queria ouvir. Falava de uma fé morta, de uma fé pesada, de uma fé louca.
Falava de coisas que estão fadadas a desaparecer.
E eu gostaria que essa história fosse inventada.

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